Antologia INFORMATIVO HIP-HOP: subsídios


0. EDITORIAL

Convido-lhes a voltar a um passado recente... ao mundo do Hip Hop Jundiaiense. Através de seis (6) informativos documentais, serão revelados os altos e baixos vividos por militantes dessa época.

Num primeiro contato com os elementos do Hip Hop, vem à tona a essência e a beleza peculiar de cada um... Pontos imperceptíveis são revelados por quem realmente tinha, ou ainda tem, o Hip Hop como estilo de vida.

Foi nessa época em que a pornografia e a ostentação capitalista tornaram-se moda, e alguns alienados inseriram a prática ao movimento, causando grande desconforto.

Embasados num contexto de lutas quilombolas, o movimento Hip Hop de Jundiaí, juntamente com movimentos locais de cultura africana, comemorou a conquista do decreto municipal que tornou o dia 20 de Novembro feriado em Jundiaí.

Com o Hip Hop ganhando notoriedade na mídia, mesmo com alguns rappers protestando conta ela, alguns de classe média se incomodaram com o movimento, e lançaram uma campanha difamatória, afirmando que o Hip Hop era apologia ao crime.

Mudanças de pensamento, transformações na vida, acabaram dispersando alguns militantes dessa época. Só que, de uma coisa eu tenho certeza: todos eles carregam consigo a chama do Hip Hop da Região de Jundiaí.

Oberdan Mendonça
(Quinze Quinze Vigésima Viela)

Quinze Quinze Vigésima Viela - De 1515, DJ. Joker e Oberdan Mendonça  
(Evento "Cultura Urbana" - Prod.: Biel Brown - Foto: Leonardo Israel)
 
O texto acima foi escrito pelo rapper, jornalista e editor do periódico RUA-Ritmo Urbano Agressivo Oberdan Mendonça (projeto que desenvolve ao lado do artesão e fotógrafo Leonardo Israel), o Quinze Quinze Vigésima Viela, e figurou na 1° Edição da Antologia INFORMATIVO HIP-HOP, que recolocou em circulação, através de uma editoração e distribuição independentes, uma série de zines produzidos pelos rappers jundiaienses Juninho Canibal e Adelmo Paiva. 

A publicação foi lançada em Jundiaí/SP, partilhada no dia em que o Jardim Fepasa ganhava o seu "Beco da Fepa" - intervenção visual urbana com grafites, bombs e tags no bairro, realizada por artistas de Jundiaí e região -, em 2019, e é o primeiro trabalho da Léxico Editora.

1. ARCABOUÇO

Entre o final de 2003 e início de 2004, pelas mãos de dois rappers da middle school e militantes do Hip-Hop jundiaiense, Juninho Canibal e Adelmo Paiva, as ruas de Jundiaí ganham o INFORMATIVO HIP-HOP, zine que teve seis edições e que pretendia fazer um balanço da situação do Movimento naquele início de milênio; sempre em tom de alerta, pôs em discussão situações e posturas muito caras àquela primeira geração, a Fase Heroica de um dos movimentos jovens mais completos, influentes e inovadores da contemporaneidade. 

Privilegiada pela proximidade à capital paulista, Jundiaí, interior de São Paulo, teve uma participação importante naquela efervescência cultural, onde se formatava uma nova estética. Esse trânsito natural - constante desde o meio dos anos 1970 com a explosão dos Bailes Black (e, fazendo justiça, inversamente jovens da metrópole e de cidades vizinhas vinham pra Jundiaí aproveitar os também atualizados bailes do Clube Social Negro 28 de Setembro) -, fazia com que nossos jovens voltassem sabidíssimos para a antiga província de São Paulo, e não demorou muito para que (in)formassem grupos e dinamizassem espaços públicos e privados.

2. MEMORIAL

Um dos desdobramentos do Projeto de Resgate Histórico do Jardim Fepasa/Jundiaí-SP, proposto pela LesoVídeoFilmes através da Oficina Vídeo-Ativo em 2013 e viabilizado pela Museu Histórico e Cultural de Jundiaí, sob à direção de Jean Camoleze - a quem devemos a ideia original desse processo de patrimonialização -, foi a digitalização de acervos particulares de moradores do bairro, além do conjunto de fotos do processo de reurbanização, arquivado na FUMAS - Fundação Municipal de Assistência Social. 

Além de um arquivo virtual, pronto para consulta e permanentemente atualizado - Jardim Fepasa, Jundiaí, SP - Centro de História Local - Página inicial | Facebook-, esses materiais foram também recheio da exposição "Caminhos do Jardim Fepasa - a Sonhada Flor de Lótus" - que teve produção, expografia e educativo planejados pela socióloga Creusa Claudino - e representou Jundiaí na Semana Nacional de Museus, em 2015 (na Pinacoteca Diógenes Duarte Paes, em Jundiaí), ficando, em seguida, temporariamente aberta ao público no próprio bairro, na "Sala da Memória do Jardim Fepasa", sediada no Centro Comunitário Casa Verde.

3. ACHADOS

Um das coleções mais surpreendentes - cuja projeção é, sem dúvida, de importância estadual e até nacional - é a "pastona" do Juninho "Sr," Canibal, com mais de 300 itens: fotografias, recortes de jornal, flyers e outros documentos que mostram a movimentação do Movimento HIP-HOP em Jundiaí e região, do qual é um dos protagonistas.

"Meu tio era muito ativo e fazia parte do Movimento BLACK POWER. Foi ele quem mais me influenciou à entrar no HIP-HOP", comenta Juninho "Sr." Canibal. Na época das publicações, continua, "estávamos no grupo Organização Favela City, que eu fundei e do qual faziam parte o Preto Pill (outro líder cultural do Jardim Fepasa) e o Adelmo. Nós dois saímos desse grupo e montamos o Clan Negril que estamos reestruturando para voltar à ativa."

Adelmo Alone Paiva recorda: "Juninho já tinha um grupo na época (1993) e eu nem imaginava cantar ou arriscar fazer umas rim as. Nesse vai ideia, vem ideia, o Jr. disse que, quem sabe, um dia cantaríamos juntos. Nossas ideias batiam e não demorou muito: o Jr. tinha saído do seu grupo e me chamou pra tentarmos algo diferente. Sentamos, trocamos mais ideias, e assim nasceu o "Clan Negril" que, modéstia à parte, foi um grupo Underground que deixou sua marca no movimento... E, depois de um tempo desativado, estamos preparando um retorno logo logo..."

Juninho "Sr." Canibal e a publicação.


4. SÃO SUAS PALAVRAS

1 - Informativo HIP-HOP 01 - HIP-HOP COMO ESTILO DE VIDA

"O que dizer desse movimento que em pleno século XXI está dominando AMS e FMS e canais de televisão... Alguns oportunistas, outros militantes do movimento HIP_HOP... Mas todos querendo mostrar a mesma coisa: a informação através do som..."

A.Alone: "Foi a primeira pequena publicação, sem muita pretensão. Foi mais pra mostrar o lado bom do movimento que até então, por predominar nas periferias, era visto com maus olhos pela elite do Brasil. Apesar disso, o HIP-HOP abraçava quem quisesse chegar junto e somar, em prol de um coletivo e por se formar por vários elementos, os jovens podiam se identificar com qualquer um deles." 

J.Canibal: "Eu conheci o HIP-HOP através dos meus tios, que já faziam parte do movimento desde os primórdios. Eu vivi quase que minha vida toda esse estilo de vida, seja musicalmente, seja nas vestimentas, seja na parte de solidariedade que o HIP-HOP sempre pregou."

2 - Informativo HIP-HOP 02 - HIP-HOP VERSUS HIP-HOPORNOGRAFIA - SEPARANDO O JOIO DO TRIGO

"... O que era para ser um movimento de protesto está virando indústria de pornografia. Se você não sabe o que o seu ídolo Norte-Americano está cantando, porquê você canta?"

A.Alone: "Foi uma época em que a grande maioria dos vídeo-clips norte-americanos mostrava muitas mulheres semi-nuas. Aí veio a pergunta: a música, a batida até que é boa, mas e as letras? Você deixaria sua filha ou seu filho assistir esses clips?"

J.Canibal: "Na época, muitos se iludiram com a onda do RAP que ostentava, que mostrava carrão, mulheres e bebida à revelia, quando a nossa luta por aqui era outra. A "separação" que a gente colocou no zine é mais pra conscientizar os integrantes daquela época: ninguém é obrigado a viver i HIP-HOP mas, a partir do momento que você entra nele, você tem que ser o mais verdadeiro possível. Quem está pra dar a vida pelo HIP-HOP e quem só passou pelo movimento como uma onda? Essa era a questão."

3 - Informativo HIP-HOP 03- 20 DE NOVEMBRO, FERIADO MUNICIPAL

"Dia 21 de Abril (Tiradentes), 07 de Setembro (Proclamação da República), entre tantos outros feriados, eles significam alguma coisa pra você, negro?"

A.Alone: "Esse número veio pra gente refletir as datas comemorativas. Ainda não tínhamos o Dia da Consciência Negra (que se concretizaria em 2008), mas lembrávamos de Zumbi dos Palmares, e nas músicas fazíamos questão de lembrar disso para levantar a autoestima do nosso povo. Pedíamos também para nunca baixarem a cabeça e lutar por diretos iguais e respeito."

J.Canibal: "Poucos adeptos do HIP-HOP, até hoje, pregam a história NEGRA nas mensagens. E cabe a nós instruir nossos entes que não tem a visão de classe e a visão racial. O 20 de Novembro e seu significado vem a calhar..."

4 - Informativo HIP-HOP 04 - RAP: PORTESTO OU APOLOGIA?

"A música da revolução, som de protesto; vista pela elite como musica de favelado, ladrão ou pessoa desqualificada. Será que já pararam pra prestar atenção nas letras?"

A.Alone: "Nesse período, muitos já estavam se adequando à cultura HIP-HOP; com isso, apareceram vários querendo ser os "donos da razão", impondo suas ideologias mascaradas de "protesto", "valorização da sua etnia", às vezes até apologia às drogas, a achamos importante aborda mesmo em algumas linhas fazer refletirem.

J.Canibal: "Alguns grupos que tinham na época mais acesso não passavam o macete pros demais. Acho que um dos motivos do movimento não estar mais tão forte é justamente esse: não foi compartilhado os caminhos por onde se deveria andar. Alguns guardaram, digamos, o "mapa da mina. E sobre o Funk, hoje tenho uma visão diferente, de não atacar o estilo, porque eu estaria atirando nos meus: só não ouço. É a onda dos jovens de agora, como já foi a época do RAP; procuro orientar os jovens que tenho a chance de conversar: como um moleque de quebrada vai ter o que é pregado nos funks se ele vive com um salário mínimo?"

5 - Informativo HIP-HOP 05 - REAGE RAP NACIONAL (1º ROUND)

"...o HIP-HOP e o RAP principalmente está na U.T.I., respirando através de aparelhos, não pela sua velhice mas pela falta de forças. Muitos dos que batiam no peito e que diziam morrer pelo RAP se venderam... fato triste."

A.Alone: "Esse número veio depois de um tempo, a gente tinha dado uma parada. Muitas divergências no movimento, houve uma grande rachadura, "egos" inflados; o movimento na região teve uma dispersão, um querendo ser melhor que o outro, e isso enfraqueceu o movimento da cidade. Mesmo assim, ainda tinham grupos que seguraram e mantiveram o movimento em pé na época."

J.Canibal: "Quando o RAP me convocou, tinha evento todo final de semana, às vezes até durante a semana. Mas muitos dos que bateram no peito diziam matar e morrer pelo RAP se bandearam pra estilos musicais mais festivos. Foi a época que nós mesmos começamos a fazer eventos, às vezes pagávamos dos nossos próprios bolsos as aparelhagens e as divulgações... O R.A.P está na U.T.I por que a MILITÂNCIA envelheceu, cansou, e deixou algumas sementes que, infelizmente, não vingaram." 

6 - Informativo HIP-HOP 06 - UNIÃO, ONDE, CADÊ?

"Mais uma vez é com pesar que viemos dar mais uma notícia triste. A falsa união dentro do movimento. Muitos pregam em suas letras e batem no peito dizendo que existe união no movimento. Será?"

A.Alone: "Chegou mais a ser um desabafo. Por inúmeras vezes, tentando unir forças, mas sempre teve as famosas "panelinhas" dentro e fora do movimento; você só serve enquanto estiver dado uma visibilidade e retorno para alguns. Por isso, vi amizades de longa data terminando. Um movimento (o HOP-HOP), que nasceu para unir pessoas, estava separando e distanciando uns dos outros, por terem estilos (os Bate-Cabeça, os Gangsta Rap, os Lagartichas) e opiniões diferentes. Mesmo assim, com tanta divergência, continuamos na luta para manter o movimento de pé."

J.Canibal: "União até existiu, mas ficou nos anos 90. Depois depois disso, como diz uma música do grupo de SISTEMA NEGRO, "aqui meu irmão é cada um por si".  Hoje um quer mais like que o outro,  ser mais foda que o outro. Nos primórdios nós pregávamos: SE SUBIR UM, ESSE UM JOGA A CORDA PARA QUE OS DEMAIS SUBAM. Infelizmente a corda arrebentou. Quem subiu, subiu; quem não subiu, que subisse por si mesmo."

5. OS ZINES















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